Muitas aldeias Guarani Mbya vivem realidades semelhantes. A tekoá Koenju, onde Ariel Ortega é cacique, tem passado por dificuldades, pois o mbya reko (modo de ser Guarani Mbya) é constantemente ameaçado. Para transmitir os ensinamentos provenientes do mbya reko, as comunidades Guarani Mbya precisam ter condições ambientais favoráveis a uma série de atividades que ocorrem na cultura dos povos Guarani Mbya, para poderem viver através de seus ritos. A agricultura, a caça, e outras atividades que servem para a subsistência das comunidades, estão relacionadas a religiosidade Guarani Mbya. São como desculpas para que os Guarani Mbya mantenham sua caminhada, buscando harmonia e equilíbrio, através das práticas e saberes que desenvolvem em seu cotidiano. Este modo de ser se manifesta nas várias atividades que ocorrem nas aldeias, como, por exemplo, as que se desenrolam quando os Guarani Mbya vão para a mata. Assista a um trecho do filme documentário “Mokoi Tekoá Petei Jeguatá – Duas aldeias, uma caminhada” (2008), produzido por Ariel, em que ele busca evidenciar a relação de dependência entre as paisagens em que os Guarani Mbya vivem, e os ensinamentos e aplicação dos seus saberes, existentes no nhandereko (sistema cultural Guarani Mbya):

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Um bom exemplo das relações entre a paisagem e os saberes e tradições Guarani Mbya, encontra-se no plantio do avaxy (milho). Os Guarani Mbya mantem uma profunda ligação religiosa com o milho, pois o utilizam durante o nhemongaraí (batizado Guarani mbya), quando as lideranças espirituais revelam os nomes dos nhe’e (espíritos protetores), que vem das moradas celestiais para viver com os Guarani Mbya. É o nhe’e que define os nomes dos Guarani Mbya, para as pessoas saberem de onde veio o nhe’e de cada um. O avaxy, serve para manter os nhe’e neste mundo, pois os mbya precisam de seus espíritos protetores para seguir sua caminhada. Por isso, são considerados os guardiões do milho, como ensina o xeramõi (avô, ancião, mais velho) Augustinho da Silva…

Assim que Nhanderu Tupã teve o filho aqui na Terra, ele já criou avaxi etei (milho verdadeiro). Nhanderu Tupã é o dono do milho, por isso que, se você não batizar as sementes antes de plantar, como faz o jurua, o avaxi etei pode desaparecer; pode crescer, mas sem as espigas. […] O avaxi é para o nhe’ẽ ficar na Terra. Foi pra isso que Nhanderu criou o avaxi. Hoje em dia, mesmo quando fazemos alguma coisa errada, o nhe’ẽ não nos deixa. Eles ficam porque ainda existe o avaxi, nhe’ẽ fica através do avaxi. Por isso que, hoje em dia, mesmo que seja pouquinho, você tem que plantar o milho. Mesmo um pouquinho, tem que plantar. Eu conto a história do jeito que ouvi contar. Assim é com o Nhemongarai, eu faço do jeito que eu vi fazer e é por isso que faço duas vezes por ano. Assim que eu vi a minha avó fazer, eu continuo fazendo a mesma coisa que ela. Quem acredita em Nhanderu, alguns que acreditam, podem chegar a ter 90 anos. Assim que eu cheguei, porque eu pedi pra Nhanderu pra alcançar 100 maety (plantios, anos).

Xeramõi Augustinho da Silva – Karai Tataendy Oka

(Tekoa Guyra’i tapu, Parati/RJ)

In: AFFONSO, Ana Maria Ramo y. LADEIRA, Maria Inês. (Orgs). Guata Porã/Belo Caminhar. São Paulo: Centro de Trabalho Indigenista, 2015. (Projeto pesquisadores Guarani no Processo de Transmissão de Saberes e Preservação do Patrimônio Cultural Guarani – Santa Catarina e Paraná/ Agosto de 2014 – Novembro de 2015), p. 25.

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