Os povos Guarani vivem em uma extensão territorial que consideram ser seu mundo habitável, que chamam Yvyrupa. Em Yvyrupa, os povos Guarani Mbya seguem sua caminhada, buscando seguir seus ancestrais  (). Assim, as áreas em que os Guarani vivem, são ambientes em que podem manter sua busca espiritual por purificação, para que possam seguir seus nhe’e (espíritos protetores) até a Terra Sagrada. Os Guarani não levam em consideração as fronteiras impostas pelos juruá (não indígenas), entre países, estados e municípios. Porém, são obrigados a conviver com elas, apesar de nunca terem pedido por isso… afinal, quando os juruá começaram a vir para este continente, a cerca de 500 anos atrás, não vieram como convidados, mas sim como invasores… sua forma de ver o mundo não foi aceita pelos povos Guarani. Mas como precisam conviver com os não indígenas, os Guarani precisam usar documentações, e adquirir recursos financeiros, para poder manter sua cultura de coletividade entre as aldeias, através das visitas, da troca de saberes, e dos auxílios prestados uns aos outros. Os povos Guarani ocupam Terras Indígenas no Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolivia. Entretanto a divisão em países não faz sentido para os Guarani Mbya.

Parcela do território Guarani. Fonte: BRIGHENTI, 2010. Extraído de: BRIGHENTI, C. Povos Indígenas em Santa Catarina. In Notzold, A., Rosa, H., Bringmann, S. (org.). Etnohistória, História Indígena e Educação: contribuições ao debate. Ed. Palotti, Porto Alegre, p. 44.

 

O cacique Ariel Ortega fez uma reflexão em um de seus filmes, Desterro Guarani (2011), sobre a caminhada dos povos Guarani, que agora precisam lutar pela demarcação de suas terras, e tem dificuldades de ter seus direitos respeitados. Ariel busca entender por que os povos Guarani caminham. Por isso, entrevista outros Guarani Mbya que vivem em aldeias pelo Rio Grande do Sul, ouvindo os mais velhos e as lideranças Guarani Mbya. Uma de suas questões é: por que os povos Guarani precisam hoje lutar pela demarcação de suas e terras, e viver com as fronteiras de propriedades de terra, municipais, estaduais, e federal, se nunca aceitaram estas fronteiras?

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A forma como os povos Guarani vivem e ocupam seus territórios está ligada a sua espiritualidade: uma busca por viver suas vidas a partir dos princípios do nhandereko, para seguir o mbya reko (modo de ser Guarani mbya). Os povos Guarani entendem o Paraguai como Mbyte, o centro do mundo habitável, ou Yvyrupa. Foi dali que os Nhanderú Mirim, seus ancestrais, partiram, seguindo Nhanderú Tenondé, em uma caminhada para o leste, até atravessarem o mar. Mas após a chegada dos juruá (não indígena) nenhum Guarani conseguiu se purificar o suficiente, e seguir os passos dos seus ancestrais, os Nhanderú Mirim, até a morada dos Nhanderú (deuses)… a mobilidade e a forma de vida Guarani, estão vinculadas a esta busca.

Esse mundo, Nhanderu Tenonde fez pra nós, lá em Yvy Mbyte, o centro do mundo. Lá que dividiu pra nós. Só campo deixou ao Paraguaio. Então, a nação Paraguaia pegou só campo. E nós Guarani pegamos só mato. Deixou só mato para nós. Mas desde o começo fazíamos plantações. Os Guarani se entendiam com os Paraguaios. Levavam e trocavam aipim, batata doce; trocavam por facão, por foice, machado, e aí já Guarani usava essas coisas. Naquela época, esses Paraguaios já eram jurua. Os Nhanderu que deixaram. Por isso que eles são nativos daqui. O único branco que é nativo é o Paraguaio só. Igual que nós, também. Nesta terra, nós Guarani dividimos com os Paraguaios brancos, que ficam com os campos e nós com o mato. É assim que nós sabemos. Os brancos agora estão dizendo: “ah, você veio do Paraguai”. Mas, antigamente, chamavam Paraguai a ilha toda, porque é uma terra única que deixaram os Nhanderu. Eles não vieram de outro lugar, não é outro país, nada. Eles são nativos daqui também. Os únicos brancos nativos: a nação Paraguaia. E também nós Guarani.

O branco sabe onde é a terra dele. Lá pra Alemanha, Portugal, Espanha. Onde será que fizeram Roma? Foi nessas terras que Adão e Eva existiram. Essa história aí pra nós já é outra, é do branco; é para o branco mesmo que Nhanderu fez assim. Aquela terra fez para eles mesmos. Os brancos não vão saber, porque aqui, nesta Terra, antigamente, antes de chegar os brancos, neste mundo mesmo, Nhanderu fez essa separação. Assim que é a nossa sabedoria. Mas é certo mesmo isso. Pedro Álvares Cabral não vai conhecer mesmo, porque ele só chegou depois de muitos anos. Como é que ele vai saber? Não vai saber mesmo. Sobre nós, sobre esta Terra, ninguém vai saber, nunca. Sobre o Japão, Alemanha, eles vão saber, porque a terra é deles mesmo.

Xeramõi Timoteo Oliveira – Karai Tataendy

(Tekoa Itanhaen, Biguaçu/SC)

In: AFFONSO, Ana Maria Ramo y. LADEIRA, Maria Inês. (Orgs). Guata Porã/Belo Caminhar. São Paulo: Centro de Trabalho Indigenista, 2015. (Projeto pesquisadores Guarani no Processo de Transmissão de Saberes e Preservação do Patrimônio Cultural Guarani – Santa Catarina e Paraná/ Agosto de 2014 – Novembro de 2015), p. 18).

Devido às fronteiras impostas pelos não indígenas, os povos Guarani formaram organizações que discutem situação, e lutam pelos direitos dos povos Guarani que vivem em diferentes fronteiras nacionais: tanto no Brasil, como na Argentina, Paraguai, Uruguai, e Bolívia. Afinal de contas, estas fronteiras não são válidas para os Guarani, não veem sentido nelas, de acordo com o seu modo de ser…. O Conselho Continental da Nação Guarani (CCNAGUA), é uma ferramenta de luta destes povos, pela demarcação e respeito aos direitos Guarani, a partir da própria perspectiva Guarani. Para saber mais sobre a CCNAGUA, acesse ao seguinte link:

http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=7677

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