Para manter o modo de vida guarani mbya, é preciso deter conhecimentos sobre os vários tipos de madeira. Os diferentes tipos têm certos períodos para serem colhidas, correndo-se o risco de estragar os artesanatos e suas tinturas, caso estes períodos não sejam respeitados. Assim, a identificação dos ciclos da natureza é fundamental às comunidades mbya, para que consigam reconhecer o tempo certo do ritmo de produção artesanal. Os artesanatos, tais como os desenhos nos ajaka (cestarias guarani mbya) e as esculturas de animais em madeira, transmitem aprendizados importante sobre os tempos certos para caçar, coletar materiais e frutos, pois contem significados relacionados ao ambiente das tekoá (espaços em que os guarani mbya vivem seu modo de ser). Estes saberes em torno dos significados dos artesanatos são passados de geração em geração, através de histórias sobre as relações dos guarani mbya com os deuses e os espíritos da natureza. Estas histórias preparam os guarani mbya para observarem certos fenômenos naturais, como os períodos da lua, para perceberem o tempo das coisas na natureza. Estes saberes são transmitidos desde crianças, acompanhando os pais à floresta para colher madeira, demonstrando para as crianças os animais existentes na tekoá.

O artesanato é feito da madeira chamada de “caixeta” – uma árvore nativa que se encontra na floresta da aldeia. Essa madeira para fazer o artesanato tem que ser colhida no tempo certo pra não estragar. Se não for colhida no tempo certo, estraga muito fácil e a madeira é desperdiçada. Assim, todo o processo de preparo do artesanato envolve aprendizagem, pois a criança aprende quando o pai vai na floresta colher a madeira para fazer o artesanato. Quando isso acontece, o filho vai junto para acompanhar e observar. Assim, o pai faz o bichinho de madeira e conta para seus filhos os significado dos animais que existiam na terras indígena Yynn Moroti Whera.

[…] Para produzir este vídeo foi realizado entrevista na aldeia com as pessoas que fazem o artesanato de madeira. Todos falaram da importância dos bichinhos e um pouco dos significados. Os entrevistados – moradores das aldeias mencionadas – contam que até utilizam os animais como remédio: como as banhas dos animais. Esse aprendizado vem passando de geração em geração. Por isso, nessas três aldeias os guarani evitam caçar se não tem necessidade, pois assim podemos manter o nossos costume, cultura crenças.

[…] Nos processos necessários para fazer os bichinhos de madeira, faz-se necessário colher a madeira no tempo certo sempre. Tem que observar a lua para colher, porque a madeira só pode ser cortado na lua minguante ou crescente para que os artesanatos não se estraguem. (GONÇALVES, 2015, p. 9) (Grifo nosso).

As lideranças espirituais são as responsáveis por localizar as moradas dos guarani mbya. Eles descobrem aonde irão construir as aldeias, através de sonhos e de revelações que são por eles interpretadas.Estes locais precisam ter as condições ambientais necessárias para formar uma tekoá, para que possam manter seu modo de vida, e os saberes que passam de geração em geração. Entretanto, o contato com o mundo dos juruá (não indígenas) tem dificultado a vida dos mbya, pois os não indígenas encaram a terra como propriedade, e não como algo sagrado e coletivo. Como os não indígenas acham que a terra é sua propriedade, não se incomodam em depredar e não se importar com o equilíbrio ambiental, para obter lucro.

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Já os guarani mbya, vivem na natureza através dos cuidados para manter o equilíbrio ambiental (caçar apenas o necessário, saber as épocas certas). Estes cuidados são aprendidos de diversas formas dentro do nhandereko (sistema cultural guarani mbya), como na realização dos desenhos em ajaká (cestarias guarani mbya), que pintam através da observação da natureza; os usos de tintas naturais, coletando-as da natureza. É através destes saberes naturais, que os mais velhos conseguem produzir suas tintas, pois observando o comportamento da natureza, adquiriram conhecimentos sobre as combinações de pigmentações e cinzas, e as reações com os diferentes tipos de madeira, durante o processo de cozimento das cascas de madeira que geram as tintas.

Entrevistada: Anita Benites

Idade: 70 anos

Artesã em cestarias

“Para fazer os desenhos, meu falecido pai, observava a mata, a aldeia. Eu aprendi com ele aos 13 anos de idade, aprendi olhando quando ele fazia os Ajaká. Eu faço quatro tipos de grafismos: da borboleta, formato retangular, formato arredondado e o zig- zague. Não uso tinta comprada, só uso a tinta natural. A árvore, da qual obtenho a tinta, chama-se Katiguá. Eu trago da mata e preparo para tingir a taquara”.

Dona Anita, diz que primeiro ela raspa a árvore. Depois coloca numa panela para cozinhar a casca. Alguns minutos depois, ela adiciona um pouco de cinzas quente. Nesse caso segundo ela, prefere a cinza formada da lenha de Alecrim, diz ela que a tinta sai quase vermelha e ela acha bonito. Também disse ainda, que se preferir uma tinta bem escura é necessário colocar mais Katiguá e uma quantidade maior de cinzas. (SILVA, 2015, p. 20).

Na Tekoá Koenju, entretanto, as pessoas têm dificuldades para viver em harmonia com os deuses e espíritos. A interferência dos juruá é muito grande, pois a reserva indígena Inhacapetum, onde fica a Terra Indígena Koenju, não foi escolhida através dos sonhos das lideranças, mas sim através da compra do terreno, pelo governo. Por isso, as condições ambientais nem sempre são adequadas para se viver segundo o nhadereko. Pauliciana carregava consigo a grande missão de passar os conhecimentos do mbya reko, em condições inapropriadas, pois devido à falta de condições para se alimentar e produzir os artesanatos apenas através da natureza, os guarani mbya mantinham cada vez mais contato com as cidades. Nas conversas com os seus netos, Pauliciana contava histórias sobre a observação da natureza para trançar, tecer, modelar e utilizar os materiais necessários para a confecção dos artesanatos guarani mbya. Assim, os mais novos poderiam reestabelecer o ânimo dos deuses, que manifestaram seu descontentamento através do raio que atingiu a árvore, indicando a presença de maus espíritos nos arredores da aldeia: estavam desprotegidos, por não estarem meditando o suficiente. A observação da natureza, ensinada através do processo de produção artesanal, e dos significados presentes nos artesanatos, possibilita aos guarani mbya compreender a necessidade de respeitar o seu tempo, e os seus limites, buscando causar o mínimo de efeitos colaterais, e medindo a extensão da área que irá utilizar em suas coletas e caças. Os guarani mbya, portanto, possuem grande facilidade de adaptação, pois se ajustam para suprir suas necessidades em harmonia com o equilíbrio natural e espiritual das matas (cada ser da natureza tem seu espírito protetor).

Todos os artesanatos e os desenhos impressos é o resultado da observação, isso acontece, não só com os Guarani, mas acredito com outras etnias indígenas. Porém com visões de mundo diferentes. A natureza nos ensina a trançar, a tecer, modelar e a utilizar diversos materiais. É com ela, que aprendemos a respeitar tudo antes de usufruir: o tempo, o espaço e a forma mais adequada, de manusear para que elas não terminem. Aprendemos nos adaptar e transformar o que a natureza nos oferece às necessidades do ser humano. (SILVA, 2015, p. 11).

Os desenhos nos ajaka (cestarias guarani mbya) revelam as homenagens e a gratidão à natureza, dos povos guarani mbya. Agradecem à Nhanderu para que ele continue se manifestando através da natureza, para que os guarani possam buscar a harmonia e viver segundo o mbya reko (modo de ser guarani mbya), buscando encontrar a Terra Sagrada.

(IPARA RYXYKARÉ) – Traços retos, em fileiras duplas em forma de S. Balaio com esse grafismo é um agradecimento a Nhanderu pelas águas e fontes que existem na aldeia. Ele significa o leito dos rios. (SILVA, 2015, p. 29).

 

A sabedoria guarani mbya está relacionada ao respeito com os espíritos protetores das matas, dos animais e das árvores. Caso contrário, os espíritos da natureza perseguem a pessoa durante os sonhos, e os remédios e chás não funcionarão. Esta manifestação da natureza pode ser encontrada nas árvores, que, precisam ser cortadas bem baixa, senão não crescerão mais.

NOME: Timóteo de Oliveira

IDADE:53 anos

ONDE NASCEU: Aldeia Cantagalo- RS

ONDE MORA: Aldeia Morro da Palha

PROFISSÃO: Artesão

[…] Timóteo também fala que quando vai ao mato colher a madeira para fazer os bichinhos, primeiramente tem que pedir permissão ao espírito da natureza e da árvore. Essa, é cortada bem baixa para que possa brotar de novo, pois se não souber cortar ela não brota mais. Também se não pedir permissão aos “donos”, a noite quando vai dormir não consegue fazê-lo, porque os espíritos das árvores vêm atrás da pessoa. Essa pessoa começa ter pesadelos e vários tipos de sentimentos ruins ou começa adoecer. Quando vai colher as ervas medicinais também é a mesma coisa, tem que pedir licença para os espíritos, se não o faz, o chá, às vezes não funciona.

Ele fala da importância dos animais, como tatu, que é muito útil para nós, porque ele tem a sua escama e banha que servem para fortalecer os corpos das crianças e adultos. Por isso, quando caçam um tatu, é tirado a banha, escama, e guardado para passar durante a lua nova como pomada nas crianças. A escama é raspada e colocada na água para dar banho nelas, pois assim crescem com saúde e fortes. (GONÇALVES, 2015, p. 13-14).

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