As lideranças Guarani Mbya são as referências para as escolas Guarani. A partir da memória e da oralidade, os estudantes procuram seguir as regras estabelecidas pelo nhandereko (modo de viver Guarani Mbya), que são reveladas a partir da memória das lideranças e dos mais velhos. Portanto, cabe às escolas ouvir os mais velhos, para que eles guiem os Guarani de acordo com o modo de ser de seu povo. A escola trabalha em conjunto com as lideranças espirituais, ensinando os saberes necessários para viver na aldeia. Porém, como as comunidades Guarani estão em constante contato com os juruá (não indígenas), os Guarani também precisam aprender os conhecimentos necessários para viver na sociedade não indígena. Por isso, as escolas das aldeias Guarani buscam uma perspectiva intercultural dos saberes ensinados, relacionando os saberes não indígenas com os saberes Guarani Mbya, levando em consideração constantemente as diferenças culturais que envolvem estas escolas.

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Leia, abaixo, a experiência da professora Guarani Mbya da Escola Itaty (Aldeia Morro dos Cavalos), Eunice Antunes. A professora conta como a participação do xeramõi (mais velho, ancião) Artur, em suas aulas, foi agradável e enriquecedora para que as crianças aprendessem sobre o lugar onde vive, e sobre o modo de ser Guarani Mbya:

Comecei também a questionar a coordenadora da escola, que chamava Eliete, mas percebi a grande resistência em adaptar o ensino bilíngue na escola. Conversava bastante com meu pai sobre as dificuldades encontradas para alfabetizar os alunos, ele me aconselhou para conversar com o cacique e expor estas situações. Seu Artur perguntava bastante sobre os direitos no modo de ensino diferenciado e eu explicava. Começamos a fazer um teste de ensino diferenciado com seu Artur, convidei-o para vir na escola contar histórias para as crianças. Ele veio, contou as histórias e no final da aula me procurou para dizer que não havia gostado de contar histórias na sala de aula, porque era muito frio.

Fiquei um pouco encabulada com o resultado, no dia seguinte seu Artur me chamou e me perguntou se poderia ser no mato o local para contação de história. Respondi que dentro da lei podia, ele pediu para organizar os alunos e levar no mato para passar o dia com ele ensinando e assim o fiz. No outro dia, levei meus alunos junto com o professor Paulo. Compramos alguns alimentos e subimos para a mata, seu Artur já estava lá nos esperando. Quando chegamos ao lugar imaginei que ele fosse fazer uma roda para contar as histórias, mas não, ele pediu que as crianças limpassem o local, limpamos, que fossem achar lenha, achamos, que fizessem o fogo, fizemos, aí pediu que fizéssemos a comida, fizemos. Somente na hora do almoço seu Artur sentou conosco para comer e perguntou para nós se estávamos gostando e eu respondi meio contrariada que sim. Aí ele começou a falar para todos, que tudo aquilo que estávamos fazendo era o modo de ensinar no tempo antigo, “as crianças nunca mais vão esquecer do que aprenderam aqui hoje”, e nada de contar histórias, depois que seu Artur almoçou ele falou para cada criança que descesse que levasse uma carga de lenha e deixassem na casa dele. Achei um absurdo, mas obedeci a ordem, quando chegamos com a lenha na casa dele, ele pediu que colocássemos a lenha tudo organizado numa posição encostado na Casa de Reza, que ficava na frente da casa de seu Artur, e assim fizemos. Ao sairmos para voltarmos à escola seu Artur chama as crianças e diz: “Venham todos quando o sol estiver se pondo para a Casa de Reza, que hoje eu vou contar histórias para vocês.” Não tivemos outra alternativa e confirmamos presença, a noite várias pessoas da comunidade se reuniram na Casa de Reza e eu com o professor Paulo levamos as crianças. Ao chegarmos lá fomos recebidos com muita alegria pelo Karai Artur, ele pediu para nós sentarmos e disse peja pyxaká (se concentrem).

Foi feito todo o ritual de reza e eu me emocionei quando eu vi meus pequenos alunos fazendo o maior esforço para dançar, cantar e rezar, todos estavam com um brilho nos olhos. Depois de tudo acabado seu Artur chamou as crianças para tomar um chá, depois deu um banho daquele chá em todos nós e sentamos ao redor do fogo, onde ele começou a contar as histórias como era antigamente o ensino na Casa de Reza. Saímos todos dali sem palavras. Foi ali naquele dia que eu me transformei no maior paradoxo contra o ensino do sistema de educação nas escolas indígenas.

No dia seguinte, cheguei na escola, fui chamada pela coordenação onde comecei a minha luta contra o modo de ensino. Fui perseguida, fui mandada embora do meu emprego, mas com muito orgulho do que havia aprendido e sentido com as aulas do professor Artur. (ANTUNES, 2015, p. 16-17).

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