Você gosta de desenhar? Quando você desenha, para que, ou, por que faz isso? As pinturas e desenhos podem ser consideradas expressões artísticas. Elas embelezam, emocionam, e provocam diversas reações em quem as produz, e em quem as observa. Mas além de encantar, as pinturas são expressões que comunicam algo. De propósito ou não, o(a) pintor(a) ou desenhista, produz significados através dos desenhos que elabora, podendo transmitir saberes, e fazer os receptores de sua arte refletirem. Os desenhos e grafismos impressos nos artesanatos guarani mbya também tem funções estéticas (decorativas), para encantar aqueles que veem e utilizam o artefato, e ao mesmo tempo comunicam, ensinam. Os grafismos presentes nos artesanatos guarani mbya são transmissores de saberes, valores e costumes, pois seus significados contam histórias e lendas, fortalecendo as crenças mbya e homenageando aos deuses, através da afirmação do mbya reko (modo de ser guarani mbya), e da coletividade.

A arte guarani pré-colonial se caracterizou por uma expressiva variedade de desenhos geométricos, aplicados em diferentes tipos de suporte; na pintura corporal, nos tecidos, nas cestarias, nas esculturas em madeiras, mas sobretudo, na decoração das cerâmicas.

[…] Cada pintura corporal e os trançados, ou seja, o grafismo impresso nas cestarias e usado para adornar corpos e objetos, por exemplo, não são simples desenhos, neles há muitos significados, pois ele é uma forma de afirmação cultural, e está associado à mitologia e cosmologia. (SILVA, 2015, p. 10).

Os grafismos têm funções sagradas, de curar e orientar os guarani mbya em suas decisões. Ensinam aos jovens sobre os rituais e os mitos, fazendo com que conheçam as histórias dos mbya.

GRAFISMO E SUA REPRESENTAÇÃO

A simbologia inserida no grafismo e no artefato, não só transmite a tradição que vem sendo passado de geração em geração, como também de comunicar a comunidade envolvente através de uma mensagem simbólica. Por exemplo, o Petyngua (cachimbo), traz consigo diversas informações, significados e o sagrado, pois é um objeto de cura de doenças espirituais.

O grafismo não é apenas para representar algo do objeto fisicamente, ou seja, uma simples decoração vai muito, além disso. Eles têm a função de informar às pessoas que não conhecem a sua história cultural, religiosa, ritos e mitos. Ao trançarem os cestos, os guarani, transformam o elemento morte em elemento vida. Ao conferirem a esses cestos uma utilização sagrada, eles estão devolvendo a vida sua pureza original. Eles estão elevando a morte à dimensão da vida. (SILVA, 2015, p. 22).

Pauliciana ensinava aos netos e netas, os significados por trás de cada grafismo. É importante compreender os significados, pois assim os jovens poderão aprender a se defender dos juruá (não indígenas) e das ameaças espirituais. Isso se deve à uma conexão entre os artesanatos, e os guarani mbya, pois os mbya estão em rede, e a cultura material destas comunidades correspondem a uma trama de textos, imagens, ideias, que juntas produzem formas de se comunicar. Os sentidos e os significados dos artesanatos, portanto, só podem ser entendidos dentro da vivência do Nhandereko (sistema cultural guarani mbya). Por exemplo, a arte dos trançados guarani revela a sua vivência religiosa, em uma realidade em que coexistem pessoas, as áureas das pessoas, espíritos, deuses, animais, sendo que não há uma divisão entre todos: são todos frutos das palavras sagradas emanadas por Nhanderu, não havendo uma diferença entre mundano e sagrado. Assim, os filetes de taquara em sua textura natural, usados tradicionalmente, entrelaçam-se com os filetes com cores vibrantes, tingidos artificialmente. Na trama, a densidade está relacionada com a leveza, e o que está no fundo está relacionado com a aparência (CAMPOS, 2012, p. 27).

Tramas tecidas pela artista Lídia Para Yry Nhẽ‘ Eja Nunes de Oliveira da Aldeia Tekoa Mbo’yty. (CAMPOS, 2012, p. 27).

Após a queda do raio na Tekoá Koenju, é provável que Pauliciana tenha desenhado uma série de grafismos. Existem símbolos que podem servir como proteção para os mbya. Os relâmpagos enviados por Tupã poderiam ser um sinal para se manter dentro do mbya reko (modo de ser guarani mbya), ou um espírito mal-intencionado. Seria preciso proteção, reforçando a cultura através das mensagens que os símbolos carregam. Mas os desenhos não são realizados apenas nos artesanatos, mas também no corpo das pessoas. Tanto o corpo quanto o artesanato são formas de tornar vivas as memórias da aldeia, através dos quais se cria uma forma de ser mbya guarani, em que todas as criações remetem à memória de outros tempos, lembrados coletivamente. É mantendo viva a tradição, que os desenhos irão proteger os guarani…

Figura 46 – Símbolos usados na pintura corporal. Desenho: Eloir Werá Xondaro – 2010. Fonte: Arquivo particular. (CAMPOS,2012, p. 95).

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