Quando se trata de ler e interpretar as simbologias do Nhandereko (sistema cultural Guarani Mbya), do Pauliciana exerce grande responsabilidade na Tekoá Koenju, ainda mais em momentos em que os deuses demonstram se enfurecer com o desrespeito ao Mbya reko (modo de ser Guarani Mbya). As pessoas da comunidade Guarani Mbya precisam dos mais velhos. Entre outras coisas, eles ensinam os significados dos símbolos desenhados pelos povos Guarani. Os grafismos presentes nos trançados das cestarias Guarani Mbya tem significados que podem proteger os artesanatos, e as pessoas que as utilizam, assim como as coisas que são guardadas pelos artesanatos, como é o caso das cestarias, cujo os grafismos protegem o milho, as ervas, alimentos, e o que mais for colocado dentro dos cestos.

GRAFISMO E CESTARIA

Na visão não indígena o grafismo é simplesmente entendido como uma linguagem visual, isto é, para eles representa somente a beleza e decoração. Isso por que não conhecem que neles estão uma rica e diversas sabedorias e conhecimentos dos nossos anciões. A cestaria, hoje continua sendo umas das principais marcas culturais dos Mbya. Mantendo seus três desenhos básicos e outros que foram sendo inventados posteriormente. (SILVA, 2015, p. 24) (Grifo nosso).

Assim, existem vários símbolos presentes nas cestarias, que representam valores e saberes, contando histórias sobre os mitos Guarani Mbya. Estes símbolos são elaborados em três desenhos básicos, que são utilizados nas aldeias, ou vendidos nos meios urbanos.

Os três desenhos básicos representam formas diferentes: o Ypara Korá apresenta várias formas geométricas encontradas no corpo das cobras, o Ypara Jaxá representa as correntes e é em forma de linhas retas e o Ypara Ixy representa os movimentos das cobras em forma de zigue-zague.

Na minha comunidade, além das artesãs utilizarem esses padrões de desenhos básicos, elas fazem outros desenhos como: o padrão borboleta, o padrão coração, o padrão arredondado ou figura circular, desenho reto, em fileira dobrada, torcido em forma de “S”, desenho da pele da cobra cascavel, padrão Vida longa, desenho da cobra coral. (SILVA, 2015, p. 22).

Os desenhos básicos têm formatos referentes a formas geométricos que aparecem no corpo da cobra, formatos de cruz ou correntes que representam pulseiras protetoras do que está dentro os recipientes, ou aos movimentos realizados pelas cobras.

Entrevistado: Hélio Fernandes

Idade: 93 anos

LIDER ESPIRITUAL DA ALDEIA

“Nós não sabemos tudo, nossos jovens conhecem menos ainda sobre a nossa história. Os antigos sabem, porque Jesus Cristo deixou escrito no papel. Isso para ensinar a história. Mas os brancos não ensinam como era antes, com o passar do tempo a história vem se modificando, há mudanças na maneira de ensinar. Nós também somos assim, por isso quando as crianças querem saber sobre os Guarani de antigamente, principalmente professores e professoras, procuram os mais velhos. Eu não esqueci e não quero perder, por exemplo as sementes tradicionais e os grafismos, mesmo adotando alguns hábitos do branco”.

Segundo seu Hélio, com o contato com os Juruá, hoje os mais jovens não interessam em aprender a fazer Ajaká e outros artesanatos. Nem sabem os significados dos grafismos. Só os mais velhos que ainda têm esses conhecimentos e sabedorias.

Os desenhos básicos existentes nos trançados são: o Ypara Korava´e, em forma de losango, Ypara kora jo´ava´e, em forma de Cruz, Ypara Ryxyva´e, em forma de S.

Como a sociedade vem sofrendo mudanças, nós Guarani também somos assim. Só que nós não mudamos o que já está nós criamos novos desenhos e isso é muito bom por que, as crianças aprenderão mais sobre a natureza e terão mais respeito com ela” (Hélio Fernandes, líder espiritual da aldeia Gengibre, RS)” (SILVA, 2015, p. 19-20).

O padrão Ypará Korá ou Ypará Korava’e, remete ao desenho das escamas de cobras, com formas geométricas retangulares, que também podem significar outras coisas dentro do modo de vida Guarani. A cobra tem uma presença simbólica constante na cosmologia Guarani, pois a cobra representada em torno do cesto protege os alimentos ali contidos.

Ypará Korá – desenhos fechados, quadrados, em forma de losango ou redondo. Significa a casa e as portas que sempre estão abertas para os parentes de outras aldeias que vem visitar ou em busca de cura para a enfermidade. (SILVA, 2015, p. 25).

Este outro exemplo de padrão Ypará Korá ou Ypará Korava’e, demonstra como os artesanatos são coloridos, para o uso na aldeia e principalmente para a venda aos juruá (não indígenas), que se importam mais com o visual do que com os significados muitas vezes. Fica evidente a semelhança das formas geométricas desenhadas, com os desenhos da pele das cobras.

Padrão que imita os desenhos da pele das cobras, ypará korá (PRÓ-ÍNDIO, 2005. In: MELO, 2005, p. 104).

O Padrão Ypará Jaxá ou Ypara kora jo´ava´e, são formas de desenho em linha reta. Representam as correntes em cruz, que se ligam umas às outras. As correntes estão interligadas, assim como nas Tekoá (lugares onde os Guarani Mbya mantem sua cultura), onde os Guarani Mbya vivem em função da coletividade, realizando suas atividades e traçando suas caminhadas coletivamente.

Padrão de desenho em linhas retas, ypará jaxá (PRÓ-ÍNDIO,2005. In: MELO, 2005, p. 105).

O tipo de desenho básico Ypara Ixy ou Ypara Ryxyva´e, representa os movimentos das cobras em forma de zigue-zague, ou em forma de S. Como ela possui o desenho de cobra, também é utilizada para proteger o que está dentro do cesto, podendo ser pessoas (principalmente crianças e recém-nascidos), alimentos e materiais coletados na mata. Assim, as simbologias e significados dos grafismos impressos nas cestarias Guarani, além da beleza, tem funções e significados sagrados. Ao mesmo tempo, relembra e atualiza às novas gerações e aos mais novos, a cada novo cesto produzido, saberes para a vida. É o caso dos padrões cobra coral (Mboi Pytã – Cobra Vermelha), que lembram, através dos desenhos de cobra coral, a importância da produção de cestos para a proteção dos alimentos, tanto pela questão simbólica da cobra como protetora, quanto pela questão prática de espantar aqueles que querem tomar o alimento dentro dos cestos para si. Os mitos Guarani são as referências para os grafismos, ao mesmo tempo em que a prática da oralidade possibilita que as crenças sejam repassadas. Assim, os saberes e crenças Guarani Mbya são relembrados através da mitologia presente nas tradições orais e artesanais das cestarias Guarani.

Padrão cobra coral (Mboi Pytã – Cobra Vermelha), significa proteção é a malha da cobra coral e balaio com esse grafismo, segundo a mitologia, protege os alimentos que estão dentro dele. (SILVA, 2015, p. 26).

Este exemplo de desenho Ypara Ixy ou Ypara Ryxyva´e, demonstra com clareza o corpo da cobra em movimento, através de desenhos coloridos que remetem às escamas. Os Mbya Guarani não ficam parados sempre no mesmo lugar: estão constantemente visitando seus parentes, deslocando-se para outras tekoá, para poderem encontrar forças e encontrar o lugar em que vivem os Nhanderú Mirim.

Padrão de desenho ypará ixí que imita o movimento de zigue-zague feito pelas cobras (PRÓ-ÍNDIO,2005. In: MELO, 2005, p. 103).

 

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