Para Dona Pauliciana, o mundo não indígena com o qual tem que lidar oferece muitos perigos. Ela é kunhã karaí, e portanto, protetora espiritual da aldeia. A tekoá (onde os Guarani Mbya mantem sua cultura) é um espaço onde os Guarani Mbya ete’i (Guarani Mbya verdadeiros) se esforçam, através de uma vida de meditação e de respeito à natureza e aos seus espíritos protetores. Porém, os juruá (não indígenas) muitas vezes não respeitam as tradições, afetando os cuidados dos Mbya, e despertando negatividade entre os espíritos das matas, devido aos desrespeitos com a natureza e com o Mbya reko (modo de ser Guarani Mbya). No mundo urbano, muitas pessoas estão acostumadas a utilizar objetos sem nem saber do que são feitos. Entre os Guarani Mbya, isto é absurdo, pois eles mesmos coletam os materiais que servirão para produzir os artesanatos que utilizarão. Nem sempre o mesmo acontece com os artesanatos confeccionados para a venda, podendo os materiais serem comprados nas cidades… e quando a aldeia não possui recursos naturais, o mesmo pode acontecer até mesmo com os materiais que compõem os artesanatos que serão utilizados entre a comunidade… Entretanto, muitos saberes são repassados através do processo dos trabalhos de coleta de matéria-prima: técnicas de corte, diferenciação entre as árvores e madeiras, técnicas de caça, conhecimento da fauna (animais e plantas que compõe o ambiente), capacidade de se localizar e marcar sua caminhada em meio à mata, além dos saberes que pertencem ao mundo sobrenatural, inerentes à cultura Guarani Mbya, contados através da oralidade, durante as caminhadas…
O trabalho de confecção, transmitido de geração em geração, também articula diversos saberes relacionados ao processo de transformação da matéria prima, nos artesanatos e artefatos utilizados ou vendidos. Os saberes sobre a cultura e a vida Guarani mbya também são transmitidos nesses momentos do dia, através da oralidade, pelos mais velhos. Estes momentos envolvem a seleção e o corte dos materiais, os cuidados com a raspagem e a talha, e os arranjos próprios de cada artesanato. O convívio do processo de produção aproxima os Mbya Guarani, e assim eles aprendem uns com os outros, coletivamente, a ser Guarani Mbya ete’i (Guarani Mbya verdadeiro).