Em uma parceria com a Comissão Guarani Yvyrupa, o Centro de Trabalho Indigenista lançou, em 2015, um atlas, mapeando as áreas  Guarani atualmente ocupadas, assim como antigas áreas de uso, e áreas que foram esbulhadas do povos Guarani, ao longo do contanto com os juruá (não indígenas). Esbulhar significa tirar à força, não levando em consideração questões de direito, ou de justiça, apossando-se de algo           que pertence a terceiros. Pois muito bem. Não foi exatamente isso que aconteceu com as terras indígenas? Ao longo do tempo, foram sendo apossadas por juruás, que não levavam (e ainda não levam) em consideração o uso das terras pelos povos indígenas. Foram construindo cidades, desmatando, impondo situações de combate e guerra. Como os povos indígenas não encaram a terra como os juruá, ou seja, como propriedade privada, foram transitando por ela sem encontrar necessidade de brigar por algo que não é uma coisa: para os povos Guarani, por exemplo, terra é vida, e não faria sentido cogitar que alguém iria tentar impedi-los de circular por elas. A resistência começou Guarani começou a se manifestar a partir do momento em que os juruá começaram a afetar o ambiente em que vivem, desrespeitando e agredindo os espíritos, os ancestrais, os animais, e a natureza. Desrespeitavam, portanto, o Mbya reko (modo de ser Guarani Mbya). Para realizar o atlas, a Comissão Guarani Yvyrupa e o Centro de Trabalho Indigenista se basearam nos saberes ancestrais, na memória dos mais velhos, e nos contos Guarani, assim como os vestígios arqueológicos existentes, indicando vestígios materiais dos povos Guarani. Muitas das áreas esbulhadas, formam hoje cidades ou fazendas… como ficaram os direitos Guarani sobre estas terras que ocupavam, e que nunca lhes pediram autorização para usar? Você pode acessar e baixar o atlas, acessando o link abaixo:

http://bd.trabalhoindigenista.org.br/node/4931

O Atlas enfoca as terras Guarani no sul e sudeste do Brasil, mapeadas até o ano de 2015. Entretanto, os povos Guarani ocupam e mantem uma relação tradicional com terras que condizem a outros Estados e países No Brasil, os povos Guarani vivem em Terras Indígenas nos Estados do Rio Grande do Sul (RS), Santa Catarina (SC), Paraná (PR), Mato Grosso do Sul (MS), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Espírito Santo (ES), Tocantins (TO), Maranhão (MA), e Pará (PA). Entretanto, as delimitações entre os Estados (países e municípios também) não foi imposta pelos povos Guarani, e sim pelos juruá… os Guarani nunca pediram por estas fronteiras, e agora precisam viver com elas. O atlas Guarani, é resultado do trabalho de um site do site Mapa Guarani Digital. Nele, você pode navegar e obter informações, navegando em cima de mapas, e visualizando com clareza onde está cada uma das Terras Indígenas Guarani em território brasileiro, assim como áreas de uso antigo, esbulhadas, e sítios arqueológicos. Também pode verificar a situação jurídica atual do processo demarcatório. Muitas das áreas esbulhadas estão sem perspectivas de retornar ao uso dos povos Guarani, pois os juruá destas regiões alegam que os Guarani nem sempre ocuparam a região, sem entender que antes deles chegarem, todo aquele território era Guarani… Confira o site, e navegue nele, para localizar as Terras Indígenas Guarani no Brasil:

http://guarani.map.as/#!/

            A Comissão Guarani Yvyrupa atribui grande importância ao mapeamento de suas terras. Esta comissão é formada pelas lideranças Guarani do sul e sudeste do país. O cacique Guarani Ariel Ortega integra esta comissão, pois se papel como cacique está em representar os interesses das comunidades Guarani, buscando liderar a partir dos interesses e necessidades coletivas das aldeias. A comissão tem o objetivo de promover o esclarecimento sobre os direitos Guarani em relação às terras com as quais mantem relações tradicionais e espirituais. Por isso, o mapeamento das terras Guarani no país é importante, pois apesar de não aceitarem as fronteiras dos jurá, os Guarani podem fortalecer seu embasamento sobre as razões pelas quais os povos Guarani tem direito àquelas áreas, e utilizar o atlas como uma forma pedagógica de explicar aos Guarani mais jovens, e aos juruá desavisados, sobre sua caminhada por Yvyrupa, o lugar habitável pelos Guarani… Afinal, o processo demarcatório segue uma lógica de delimitação, tornando-se importante precisar onde vivem e quais são as áreas Guarani por direito, assim como o que falta para que estas áreas sejam de uso definitivo dos povos Guarani…

Terras Indígenas Guarani no Brasil em 2015. In: SALLES, C.; PIERRI, D.; CASTILLA, E.; LADEIRA, M. I (Org.). Atlas das terras Guarani no Sul e Sudeste do Brasil – 2015. São Paulo: Centro de Trabalho Indigenista, 2015. Disponível em: http://bd.trabalhoindigenista.org.br/sites/default/files/Atlas%20CTI%20media%20CC2015.pdf. Acesso em 22 jan 2017.

 

O mapa acima demonstra os territórios Guarani ocupados no Sudeste brasileiro e na região amazônica, assim como nas divisas entre o Mato Grosso do Sul, Argentina e Paraguai. Podemos observar que os povos Guarani vivem em regiões de floresta tropical, como a região amazônica e a Mata Atlântica. Entretanto, dificilmente um mapa nos termos geopolíticos dos Estados nacionais poderia apresentar um território Guarani. A ideia que estes povos fazem de si mesmos, e a forma como se organizam, diz respeito a uma ampla gama de populações distribuídas pela Argentina, Bolívia, Paraguai, Brasil e Uruguai. Redes de famílias extensas na qual a distribuição do poder político é descentralizada, mas que compartilham elementos linguísticos e religiosos. Portanto, não há como pensar em um “todo”, pois as aldeias assumem costumes e lideranças diferenciadas, mas estão ligados pela relação espiritual que mantem com o espaço, de modo que percorrem um mesmo caminho, mesmo parecendo caminhos diferentes para os juruá. Para os Guarani, não existe o Guarani “argentino”, paraguaio, brasileiro, etc: são todos Guarani, podendo ser de alguns subgrupos linguísticos, os guarani mbya, kaiowá, ou nhandevá (existem variedades para estes nomes). Entretanto, as condições das terras, assim como o estado jurídico, podem variar de Terra Indígena para Terra Indígena, pois estas situações dependem da relação com os juruá. Observe um resumo da situação das Terras Indígenas Guarani, localizadas no sul e sudeste do Brasil:

In: SALLES, C.; PIERRI, D.; CASTILLA, E.; LADEIRA, M. I (Org.). Atlas das terras Guarani no Sul e Sudeste do Brasil – 2015. São Paulo: Centro de Trabalho Indigenista, 2015. Disponível em: http://bd.trabalhoindigenista.org.br/sites/default/files/Atlas%20CTI%20media%20CC2015.pdf. Acesso em 22 jan 2017.

 

As Terras Indígenas Guarani foram formadas a partir da relação tradicional destes povos, com os espaços em que vivem. Esta relação foi sendo construída através de um longo processo. A etnia Guarani se formou na região da Amazônia central, vindo para a direção sul a partir de um processo de expansão migratória de povos do tronco linguístico Tupi a aproximadamente 2.000 anos atrás, conforme indicam as fontes arqueológicas, antropológicas e as narrativas orais Guarani.

Representação cartográfica da expansão dos povos do tronco linguístico Tupi (do qual derivam os Guarani), a partir da Amazônia central. Extraído de: http://pibmirim.socioambiental.org/antes-de-cabral/ocupacao-brasil. Acesso em 11/12/2015.

 

Durante o processo de expansão Guarani, as populações entraram em contato com várias culturas. Desde o processo de expansão para o sul, os grupos guarani passaram a viver no bioma da Mata Atlântica, havendo vários momentos de contato, trocas culturais e conflitos com populações Kaigang e Xokleng, que ocupam a Mata Atlântica há mais de um milênio, até os dias de hoje. Observe o mapa etno-histórico a seguir, e perceba como os povos Guarani, Kaingang e Xokleng tem ocupado regiões próximas até a atualidade:

Mapa: Território Histórico dos povos indígenas meridionais. Fonte: Mapa Etnohistórico de Curt Nimuendaju – 1944, adaptado e elaborado por Carina Santos de Almeida. Extraído de: BRIGHENTI, C. Terras Indígenas em Santa Catarina. Etnohistória, História Indígena e Educação. In Notzold, A., Rosa, H., Bringmann, S. (org.). Etnohistória, História Indígena e Educação. Contribuições ao debate. Ed. Palotti, Porto Alegre, p. 255-278.

 

Pode-se perceber, a partir da pesquisa arqueológica, a mais antiga evidência inequívoca de assentamentos Guarani na Bacia do Prata entre o ano 2000 e 1700 anos atrás. A data mais antiga vem da área de confluência dos rios Paraná e Iguaçu (ou Iguazu), na Fazenda Dona Carlota 2 (sítio arqueológico), datada de 1988 anos atrás. Os seis sítios arqueológicos ocupados entre 2000 e 1700 anos atrás, sugerem os primeiros grandes pulsos significativos da expansão territorial Guarani.

Modelos de rotas de dispersão Guarani pela América do Sul. Fonte: BONOMO, M. et al A model for the Guaraní expansion in the La Plata Basin and littoral zone of southern Brazil. Quaternary International, nº 356 (2015), p. 65.

Entre 300 e 1000 d.C., é possível observar um período de relativa estabilidade, de permanência nas áreas já ocupadas e apenas uma dispersão limitada para novas áreas. Foi possível registrar um aumento no número de assentamentos nas áreas que apresentam as primeiras datas. As novas áreas ocupadas estão mais restritas ao sul, e é possível observar um avanço em direção ao leste, entre 1445 e 1297 ano atrás. Há 1000 anos atrás, a ocupação da costa atlântica parece iniciar, baseada em três datas entre 1085 e 1035 anos atrás. A zona litoral representa o limite natural para a expansão Guarani.

Mapa de visualização temporal da expansão Guarani de 0 a 300 d.C. Fonte: BONOMO, M. et al A model for the Guaraní expansion in the La Plata Basin and littoral zone of southern Brazil. Quaternary International, nº 356 (2015), p. 66.

 

Entre 1015 e 235 anos atrás, 200 datas numéricas foram registradas, que correspondem a um total de 119 sítios arqueológicos. Como no período anterior, a quantidade de assentamentos aumenta nas áreas ocupadas anteriormente. Neste sentido, há um número significativo de novas datas no rio foz do Iguaçu e Paraná.

Mapa de visualização temporal da expansão Guarani de 300 d.C. a 1000 d.C. Fonte: BONOMO, M. et al A model for the Guaraní expansion in the La Plata Basin and littoral zone of southern Brazil. Quaternary International, nº 356 (2015), p. 67.

 

Durante este período, uma expansão territorial notável em novas áreas também ocorreu. Foi possível confirmar a presença de sítios arqueológicos em áreas sem registros anteriores de ocupações Guarani. A partir de aproximadamente 1017 anos atrás em diante, além de uma densidade crescente de sítios em áreas já ocupadas, havia uma onda marcante de expansão em todas as direções. Observa-se a dispersão Guarani em direção ao oeste até o Rio Miranda, e para o leste, evitando as zonas elevadas do Planalto Brasileiro, abaixo para a costa atlântica do Brasil e Uruguai. Por último, locais ao longo de galerias florestais do Uruguai e Paraná.

Mapa de visualização temporal da expansão guarani de 1000 d.C. a 1780 d.C. Fonte: BONOMO, M. et al A model for the Guaraní expansion in the La Plata Basin and littoral zone of southern Brazil. Quaternary International, nº 356 (2015), p. 68.

 

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