Os guarani mbya não convivem apenas com pessoas, mas também com diferentes áureas que cada um possui. Existe o nhe’e, que é o espírito protetor de cada um e vem dos amba (morada sagrada), e o angue, que é a áurea terrena, que surge na terra, e pode sofrer ou causar influências positivas e negativas, tanto das ações da pessoa com quem está ligada, quanto das pessoas próximas. O angue nem sempre está próximo da pessoa a que pertence, e quando ela morre, o angue, por ser da terra, fica na aldeia onde o(a) guarani mbya vivia, afetando os outros guarani mbya positiva ou negativamente. Por isso, é importante que os guarani mbya se desloquem com frequência, para não serem afetados pelos angue, mas apenas pelas influências de Nhanderu

[…] Na língua guarani, ã é alma, que significa ‘o que está junto o tempo todo com você, como se fosse uma sombra’. Para o meu povo, isso não é visto como sagrado. Por exemplo, ao nascer uma criança, ela fica 8 dias sem ser vista por ninguém diferente dos seus pais, avós, as pessoas mais próximas. Isso porque alguém com a alma ruim, “pesada”, com “energia negativa”, pode afetar o ambiente e inclusive o mitã pyta’ĩ – recém-nascido.
Falamos que os mitã pyta’ĩ são os nhe’ẽ Poti. Para evitar a interferência dessas energias ruins, colocamos, quando temos mitã pyta’ĩ em casa – não na nossa casa, mas numa casa preparada para o trabalho de parto, onde ficamos esse período, oito dias mais ou menos, de resguardo, com uma garrafa transparente com água, em cada canto da porta. As crianças são muito importantes para nós Guarani e estamos sempre cuidando delas. Estou dizendo isso porque além de ã – que sempre está conosco – nós temos angue – que dependendo da personalidade da pessoa, pode ser bom ou ruim. Diferente de ã, angue pode nos deixar (mesmo quando estamos vivos) e ficar no ar, um tempo; os mais velhos dizem que onde nós passamos o angue sempre fica um pouquinho, depois ele volta a nos acompanhar novamente.
É esse angue, dizem os mais velhos, que pode causar coisas ruins. Por isso, os mais velhos sempre nos aconselham a falar baixo, ficar em silêncio, não falar palavrões, não ficar irritado, ter paciência, principalmente com as pessoas que são agressivas com a gente. Com esse tipo de pessoa, você tem que ouvir, ser paciente e não responder da mesma forma. Observar nossas regras impede que o nosso angue fique pesado, negativo. Dessa forma, nosso angue não atinge outras pessoas. Nós temos que ficar bem, para que o nosso angue não atinja o outro, de forma negativa.
Quando morremos, nosso angue fica de vez aqui, na terra, e se a pessoa em vida foi muito ruim, seu angue pode prejudicar o ambiente em que a pessoa viveu. Por exemplo, quando uma pessoa ruim morre, não podemos levar uma criança até o morto. Seu angue pode afetar a criança. (BENITES, 2015, p. 11-12).