Entre os artesanatos guarani mbya, existem alguns que são utilizados basicamente todos os dias, por motivos religiosos. É o caso do petyngua, o cachimbo sagrado guarani. Através da fumaça sagrada (Tataxina) derivada deste cachimbo, os guarani mbya conseguem se comunicar e interpretar as mensagens dos deuses, espíritos, áureas e ancestrais. Este cachimbo pode ser constituído de alguns materiais, tais como argila, madeira, ou nó de pinho.

(SILVA, 2015, p. 12).

 

Na tekoá Koenju, todos utilizam o petynguá, a partir de uma certa idade, para meditar. Porém, somente o Karaí e a Kunhã Karaí (lideranças espirituais) utilizam o petynguá para se comunicar com os deuses. Por isso, quando o raio caiu na tekoá Koenjú, a Kunhã Karaí Pauliciana meditou com o petynguá ao longo dos dias, em busca de interpretação da mensagem dos deuses, na forma do raio… estariam bravos? Seriam espíritos maus? Portanto, entre os guarani mbya, existem aldeias em que todos podem utilizar o petynguá para meditar; já em outras aldeias, apenas o Karaí ou a Kunhã Karaí fumam o petynguá na Opy (Casa de Reza), como é o caso da Aldeia Gengibre, relatado pela autora guarani mbya Alexandrina da Silva:

O petynguá é feito de argila. Mas também pode ser feito de madeira ou do nó de pinho. Na minha aldeia, ele é feito de argila. E lá só o líder espiritual usa na casa de reza (OPY). No petynguá, também tem desenhos que representa os animais, como: a borboleta, os pássaros, a onça, a tartaruga, o peixe.

O petyguá é um objeto sagrado para nós guarani. Através dele, nos concentramos para comunicar-se com Nhe’e (ALMA-PALAVRA).

No Petynguá utilizamos fumos de corda que produz o TATAXINA (fumaça Sagrada). Ela é a manifestação da divindade através do Karaí. Possibilita, por meio da concentração, a conexão com o Divino, a nós e seres imperfeitos. O TATAXINA, por meio de momentos cerimoniais nos dá condições do estado do universo em todos os aspectos.

Pois ele é utilizado para curar doenças espirituais, nos rituais da colheita, nas cerimônias e quando o Karai vai dar nome à uma criança e também quando as pessoas procuram o Karai.

O Petynguá e o Karai são elementos fundamentais dentro de uma aldeia. É através desses dois elementos é possível ter um contato direto com Nhanderu (DEUS). “Acreditamos que a fumaça que sai do cachimbo, se transforma em nuvem do céu”. (Darcy, professor mbyá guarani, Rio de Janeiro, RJ.) Fonte, livro Maino`i Rape. (SILVA, 2015, p. 13).

A autora guarani mbya Alexandrina da Silva, portanto, lembra-nos da importância do petynguá para que os guarani mbya se comuniquem com o Nhe’e. O Nhe’e é o espírito protetor das pessoas, que vem de diferentes moradas celestiais, e deve ser mantido por perto pela pessoa, pois ela voltará à morada, e todo o mbya reko (modo de ser guarani mbya) está inspirado na busca por seguir o seu espírito protetor, mantendo um modo de vida em que seja possível acompanha-lo até a morada celestial, onde vivem os Nhanderú Mirim. O Nhe’e é descoberto durante o Nhemongaraí (batismo dos alimentos e das pessoas), através da fumaça do petynguá, que é soprada pelo Karaí ou pela Kunhã Karaí (lideranças espirituais da aldeia, também chamados de xeramõi e xejary, pajé, ou xamã). Através da fumaça, as lideranças espirituais se comunicam com Nhanderú, que revela a origem do Nhe’e. Somente assim, os guarani mbya poderão receber seus nomes, pois seus nomes estão associados à origem de seus Nhe’e. De acordo com o Nhe’e da pessoa, ela terá determinadas habilidades, funções e compromissos, na tekoá (lugar onde os guarani mbya mantem seu modo de ser). Assim, como os guarani mbya tem seu Nhe’e revelado pelo seu nome, as pessoas da aldeia saberão o que esperar dela, suas características, habilidades e deveres, assim como ela mesma saberá estas coisas sobre si. Por isso o Nhemongaraí (batismo) é tão importante para os povos guarani mbya, conforme fala o cacique Karai Tukumbo (nome em português: Ronaldo Costa), da Aldeia Piraí ou Tiarajú.

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Além do Nhemongaraí, o petynguá pode ser importante em outras circunstâncias, para o Nhe’e das pessoas. O respeito à meditação e ao esforço que existe na vivência do mbya reko (modo de ser guarani mbya) faz com que o Nhe’e fique próximo da pessoa a quem protege. É o respeito ao mbya reko que esclarece as pessoas sobre o uso do petynguá, e devido a este esclarecimento, as pessoas sabem que o cachimbo sagrado possui propriedades curativas. Porém, influências negativas, físicas e espirituais, podem afastar o Nhe’e da pessoa, fazendo com que fique doente e se afaste do Nhandereko (sistema cultural guarani mbya). O vídeo a seguir, que se passa na Tekoá Koenju, demonstra a utilização do petynguá para afastar influências negativas, e auxiliar no processo de cura de uma criança guarani mbya.

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Entretanto, a confecção do petyngua depende de determinadas matérias-primas, que para poderem ser transformadas no petynguá pelos artesãos guarani mbya, precisam existir na tekoá (lugar onde os guarani mbya vivem seu modo de ser) … e se não existirem, como poderiam os guarani mbya viver sem este elemento tão importante? Assim, devido à tomada de suas terras pelos juruá (não indígenas), o contato com as cidades para a obtenção de matéria prima é inevitável, pois precisam produzir os artesanatos e assim respeitar o mbya reko (modo de ser guarani mbya). Na Aldeia Gengibre, o petynguá é feito de argila, conforme mencionou acima a guarani mbya Alexandrina da Silva. E na tekoá Koenju, conforme o vídeo acima demonstra, do que é feito o petynguá que o curandeiro guarani mbya utiliza, para curar espiritualmente a criança? Quais matérias-primas precisam existir na tekoá Koenju, para que estes petynguá sejam confeccionados? Será que eles existem em abundância, nas matas desta tekoá?

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