O milho é um dos alimentos sagrados Guarani Mbya! Sua plantação é fértil nas regiões em que os Guarani costumam viver, e portanto o milho é um alimento muito antigo na tradição Guarani. Os Guarani Mbya se consideram os guardiões do milho, buscando defender as condições territoriais para plantarem este alimento sagrado. Para tanto, a tekoá (lugar onde os Guarani mbya vivem seu modo de ser) precisar ter condições de plantio, e um tamanho considerável. Os povos Guarani tem muitas histórias sobre o surgimento do milho, conforme narra o professor Guarani Mbya Geraldo Karaí Okenda, às crianças da Tekoá Yynn Moroti Wherá (Aldeia Reflexo da Água Cristalina), localizada em Biguaçu – SC.
Devido à sacralidade da relação dos Guarani Mbya com os alimentos, existem rituais de preparação para o plantio e a colheita, de modo a vincular os alimentos com os seus espíritos protetores, e para fortalecer e proteger aqueles que irão se alimentar. O uso do petynguá (cachimbo sagrado Guarani Mbya), para benzer os alimentos, é recorrente durante estes rituais, como aponta a xejary (avó, anciã) Rosa Rodrigues:
Igualmente a “tchedjary’i” Rosa Rodrigues, 75 anos, da aldeia Yguá Porá, também fala a respeito do processo de plantio, colheita e rituais do milho:
Ronhoty oiko porã aguã ma petcha, avatchi ete’i mbya avatchiko nhambodjeroviava’e nhaderu kuery nharomaedua oiko porã aguã, aerami ronhoty tavy koera ronhoty tavy romoatatchiuka upe mbudjapei rami opy, a’e rami ae mba’eve ndojavykyi vitcho vitchoi ndodjavykyi oiko porã aguã, haegui haῖ ramo há’erami vae haῖ mbairamo mbytaidju rodjapo opy redju romoatatchin ukadju, há’erami vireidju yma orekuai karambo’e, tchandjau ha’erami tchandjau omoatatchiaviae dja’u aguã, há’eramo oiko porã riae, tchandjau oikovi aetu mbya tchandjau tchandjau etei, aỹkatu ndoikovei,
Quando nós plantávamos para nascer bem era assim, milho verdadeiro ou milho Guarani, se nos acreditarmos em nhanderu “nosso pai” rezamos para que ele faça vim e crescer bem, era bem assim se amanhã nós fossemos plantar, fumassiávamos igual o mbudjapé (bolo feito na cinza) na opy, era assim que nem um bichinho extraviava, e crescia bem, e quando tinha semente fazia o mesmo, quando estava maduro fazia pamonha e leva na opy para fumassea, éramos assim naquela época, melancia também melancia fumaceavase para comer, e assim nascia bem, tinha melancia Guarani, melancia verdadeira, agora não já não tem mais. (BARBOSA, 2015, p. 32).
Os povos Guarani Mbya também contam e ensinam histórias sobre os diversos tipos de milho, pois existem variedades de espécies de milho cultivadas entre os povos Guarani, de diversas colorações…
COMO SURGIU O MILHO KATETO GUARANI
EM GUARANI, CONTADA PARA UMA CRIANÇA PEQUENAyma manje oi peteîtekoa. Peteî ara pyoikoava´ivaeriipirejumive, Ava tiîoiko tuja, há´etike tuja mavyija´epeteîkunharemboruvixavajyreonhangareko Xe vaerituundaejaipireju ramo há´erirema Ava va´endovy´aipy´araxyhá´evymaomanô, hetarâkueryojaty´imavyama´ekuarayounhavôhá´eriremaojatyágüepyenhoî petei jairogue´i Ava ju oi apyenhoî ramo maomborearaka´e Avaí.
COMO SURGIU O MILHO KATETO, EM PORTUGUÊS, EM QUADRINHOS
Em um lugar bem distante de tudo havia uma aldeia, onde não se tinha muitos recursos.
Lá também morava uma família que todos consideravam diferente porque eram mais pobres e porque tinham um filho da pele branca e cabelos amarelados, com o nome de Avaxin.
O tempo foi passando e aquele menino foi crescendo e logo se tornou um adolescente. Todos da aldeia não gostavam dele porque ele era diferente.
No momento em que ele entrou na fase de querer casar ele se apaixonou pela filha do chefe da aldeia.
Mas o feche não deixou ficar com a filha dele porque sua aparência era diferente dos outros.
O tempo foi passando e o jovem estava gostando cada vez mais da moça e ficou muito triste por não o deixarem casar com a filha do chefe. Cada dia mais ele ficava mais triste, todo tempo ele rezava para que (Nhanderu deus ou criador) fizesse que todos gostassem dele.
De tanta tristeza ele morreu e, como ele era diferente, enterraram ele em um lugar sozinho.
A aldeia estava com muita falta de alimento na época em que o Avaxin morreu. Sua irmãzinha ia todos os dias, durante uma semana, rezar onde seu irmão foi enterrado.
Depois não foi mais. Passaram-se umas três semanas e a irmã dele foi ver e rezar para seu irmão. Chegando no local onde seu irmão estava enterrado ele viu que no local tinha nascido umas plantas que ninguém tinha visto ainda e chamou todos da família para ver.
Depois de uns três meses aquelas plantas estavam com umas espigas de um tipo de sementes que ninguém tinha visto em lugar nenhum. Toda a aldeia foi ver as novas plantas que serviram para matar a fome de toda aldeia.
Com as sementes fizeram plantação das sementes e a aldeia não teve mais fome. Como Avaxin tinha pedido pra (Nhanderu,deus ou criador) todos gostaram dele.
Em todo território Guarani conhecem o milho do Guarani. (SOUZA, 2015, p. 26-37).
Dependendo do tipo de milho, o tempo de cultivo pode ser maior ou menor, variando também o meio e as técnicas agrícolas empregadas, conforme ensina o autor Guarani Mbya Ronaldo Antônio Barbosa:
O milho Guarani dependendo da sua variedade pode levar de três, quatro ou cinco meses para ser colhido, certo que na grande maioria das variedades, que mais plantamos, é de quatro meses.
Convém explicar um pouco as diferentes variedades/espécies de milho cultivado pelos Guarani. O avatchi mirim (milho rasteiro), chamado também de milho pipoca, pelo tamanho da planta, medindo aproximadamente 50 cm do solo. Esse milho é mais rápido de produzir, em três meses já é possível colher. Outra espécie é o avatchi mintã (milho anão), planta pequena, com espiga pequena que leva quatro meses para ser colhido, ele tem as espigas em cor amarela. Há também o avatchi pará (milho colorido com grãos), um pouco maior que os demais, tamanho médio, comparado ao milho produzido pelos djuruá kueri. Esse milho leva cinco meses para ser colhido. É desse milho que se separa a semente conforme a cor para plantar e produzir o milho com espiga de grão vermelho/roxo, grão preto (azulado), de grão branco; de grão amarelo e por fim o grão pintado que é o da espiga com todos essas cores misturadas na mesma espiga. (BARBOSA, 2015, p. 33).
As formas de plantação do milho entre os Guarani Mbya envolvem a sua tradição. A rotina em torno do plantio, a forma de plantar, e o trabalho de plantação, estão vinculados à religiosidade Guarani Mbya. Porém, devido às alterações da natureza pelos juruá (não indígenas), a rotina de plantio é afetada, assim como as práticas de troca e venda de sementes são mais recentes, pois a tomada das terras Guarani pelos juruá afetou as relações de mobilidade entre as aldeias, que costumavam presentear umas às outras com diferentes sementes, o que foi prejudicado com o uso dos adubos químicos, que envenenam os solos, fazendo-os não aceitar outros tipos de sementes. Estes problemas foram relatados pela xejary (avó, anciã) Rosa Rodrigues, ao autor Guarani Mbya Ronaldo Antônio Barbosa:
Na colheita quando o milho estava duro, muitas vezes nem esperava ficar duro, para semente era colhido e amarrado em cima do fogo, para não se estragar e iria ser plantado em fevereiro para a safrinha, ou seja, só para semente, e depois ser plantado em alguns desses meses: agosto, setembro, outubro, novembro, que é o período de plantio. Levantavam cedo para trabalhar na roça antes do sol nascer e quando o sol estava muito quente quase meio dia retornavam para sua casa, depois quando estava mais refrescante eles retornavam para a roça. Hoje o clima mudou quando é nove ou dez horas da manhã já temos que voltar porque é quente demais devido a mudança do clima no decorrer dos anos.
Segundo dona Rosa Rodrigues, antigamente as sementes eram guardadas em cabaças ou porongos e não eram vendidas ou trocadas, mas sim quando eles iam visitar uma outra família levavam as sementes para saber reconhece-las e por ser bem recebidas. Ela também diz que não era usado nem um tipo de adubo químico na plantação. Ela fala que por causa disso as sementes tradicionais também se perderam pelo uso desses adubos químicos. (BARBOSA, 2015, p. 35-36).
Assim, os Guarani Mbya buscam evitar as infiltrações, a erosão, as pestes, e outros fatores prejudiciais à plantação, através de saberes tradicionais, transmitidos através das histórias dos mais velhos e da observação das práticas na aldeia, prestando-se atenção nos ritmos da natureza. Não tentam dominar a natureza, como fazem muitas vezes os juruá com os produtos químicos e transgênicos. Muitas das técnicas de plantio Guarani, os juruá também foram aprendendo, mas apelidaram de “agricultura orgânica”.