Pauliciana produziu colares com a madeira da árvore atingida pelo raio, para que seus descendentes usassem, pois vinham da mesma morada, e possuíam os mesmos nomes em guarani. Durante o processo de produção artesanal, os guarani mbya precisam levar em consideração o nome-pessoa dos artesãos, e de quem irá usar os artesanatos, pois é o nome-pessoa que revela o nhe’e (espírito protetor). É o nhe’e que vai decidir as características e os laços que cada guarani terá em vida. Portanto, os parentescos guarani não tem a ver apenas com laços sanguíneos, mas também com os nomes. Pessoas com o nome “Vherá”, por exemplo, são do mesmo amba (morada celestial) e por isso tem parentesco, e características em comum. Assim, quando um artesão guarani produz artesanato, é preciso prestar atenção em seu nome-pessoa, de modo que o artesanato não seja utilizado por pessoas de outros nomes. O petynguá (cachimbo sagrado), por exemplo, é uma extensão da pessoa, e usar o cachimbo produzido por artesão de mesmo nome, é confirmar seu nome-pessoa no mundo, e manter a busca que os mbya fazem para ser guarani ete’i (verdadeiro), através do fortalecimento de seu nome-pessoa. Isso acontece porque os artesanatos são extensões da vida guarani: as atividades e as inovações artesanais que os guarani mbya devem realizar, são reveladas em sonhos e meditações. Algumas vezes, os guarani aprendem e realizam projetos para ensinar os outros da aldeia a confeccionar, para manter os conhecimentos da comunidade, ou para poderem vender os artesanatos e se manter.

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Mas afinal de contas, como as comunidades guarani mbya elaboram os artesanatos? Existem elementos naturais, tintas e madeiras específicas para o uso e confecção artesanal guarani. A mata em que vivem deve ter condições para possibilitar o trabalho e a transmissão de saberes que envolvem o artesanato. Os artesanatos para a venda muitas vezes são feitos com materiais trazidos das cidades, mas mesmo nestes casos, encontram suas referências nos estilos artesanais produzidos com as matérias primas encontradas nas matas.

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No cotidiano dos guarani mbya, principalmente dos jovens, é comum a ida diária à mata, para a seleção e coleta das madeiras que servirão para compor os artesanatos, como na fotografia abaixo, registrada pelo guarani mbya Adelino Gonçalves. Para a coleta, é preciso saber diferenciar as madeiras, entender a natureza de cada uma, e realizar o processo de corte, sem afetar o ecossistema. A cosmovisão guarani mbya mantem uma relação de respeito com o meio ambiente, pois foram incumbidos por Nhanderu de proteger a natureza, da qual dependem para manter o modo de ser guarani mbya.

(GONÇALVES, 2015, p. 23).

 

Após a queda do raio, o coral da Tekoá Koenju intensificou a entoação de canções na Opy (Casa de Reza), para meditar, realizar oferendas e interpretar as mensagens dos deuses. Pauliciana, enquanto anciã da aldeia, tinha a importante função de ensinar os jovens a confeccionar os instrumentos musicais utilizados no coral. Para elaborar instrumentos musicais, como o mbaraka (chocalho guarani), os guarani mbya costumam cultivar plantações de cabaças. Os ensinamentos sobre a confecção dos instrumentos são passados de geração em geração. Outras matérias primas encontradas nas matas das aldeias também são necessárias para compor o mbaraka, e outros instrumentos musicais utilizados nos corais das aldeias:

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As cestarias guarani são elaboradas principalmente pelos mais velhos e mais velhas das aldeias. Assim como dona Pauliciana, dona Anita, que vive na Aldeia Gengibre confecciona cestos e é responsável por transmitir os saberes guarani através dos grafismos presentes nas cestarias. Para realizar os cestos, as xejari (avós) precisam de ambientes calmos, onde os guarani possam se reunir, pois o artesanato não é realizado apenas para a produção de objetos, mas principalmente para reforçar a coletividade no grupo, e garantir a busca pelo bom caminhar, de acordo com o modo de ser guarani mbya.

Dona Anita (artesã em cestarias). Foto tirada na casa da entrevistada. (SILVA, 2015, p. 21).

 

Os saberes sobre as técnicas e os materiais artesanais, são trocados através da oralidade durante a confecção dos cestos, esculturas, e outros materiais. O tipo de madeira necessário para compor diferentes tipos de cestos, para diferentes usos, são aprendidos principalmente com os mais velhos e mais velhas das aldeias. A taquara e o bambu são muito utilizados pelos guarani mbya, para a produção das cestarias.

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Na Tekoá Koenju, assim como em outras aldeias guarani, os homens geralmente são responsáveis por talhar as esculturas.  Também são utilizados metais para a coloração das esculturas (podendo ser utilizado também em outros tipos de artesanato), aquecendo-os para talhar e queimar a madeira, desenhando-se as formas desejadas, principalmente formatos zoomórficos (em forma de animais) presentes na mitologia guarani. Materiais como os metais foram sendo inseridos na cultura guarani, ao longo do contato com os juruá (não indígenas), assim como muitas técnicas de construção e saberes guarani foram sendo incorporados pelos conhecimentos não indígenas.

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